O leite cru é o leite que não foi submetido a nenhum tratamento térmico. Existem vários tipos de tratamentos térmicos, que matam a maioria dos microrganismos presentes no leite cru, tanto as bactérias “boas” como as bactérias “más” .
Atualmente a pasteurização do leite é norma que deve ser cumprida. Ela surgiu no início de século passado, para prevenir a propagação de doenças, como a tuberculose por meio do leite contaminado e mudança nos métodos de cultivo. A transição da agricultura tradicional para a agricultura industrial levou a rápida queda na qualidade de vida dos animais e ao aumento do manuseio do leite e, portanto, um maior risco de doenças transmitidas por alimentos.
O leite é sem dúvida, um produto suscetível à contaminação e, como muitas substâncias alimentares, pode conter patógenos.
Então por que estamos defendendo o leite cru?
Em defesa das bactérias …da Biodiversidade!
Ora, hoje sabe-se que nem todas as bactérias são ruins. Enquanto o calor mata os micróbios que causam doenças ou potencialmente maléficos, ele também elimina as bactérias benéficas, que contribuem para o sabor, aroma e para a complexidade dos queijos feitos de leite cru. Além disso, um conjunto de evidências científicas (Europa e EUA) atestam que as bactérias encontradas no leite cru apresentam muitos benefícios para a saúde humana, incluindo uma melhor digestão. Estas bactérias são produtoras de ácido láctico, daí o nome “Bactérias Láticas”, que são encontradas normalmente no leite cru. As bactérias láticas realmente agem para inibir ou destruir as bactérias maléficas que conseguem sobreviver a tratamentos térmicos ou encontram seu caminho de volta após esse processo.
O leite pasteurizado é realmente um “leite morto”. Para reconstruir o sabor de um queijo feito a partir de leite pasteurizado, deve-se reintroduzir as bactérias láticas por meio de culturas starter, ou seja, que foram pré-selecionadas em um laboratório e disponíveis em pó (Fermento Lático). Estas bactérias selecionadas são as mesmas no mundo inteiro e, juntamente com o leite pasteurizado, fabricam queijos carentes de carácter e diversidade, que são idênticos do Japão à Austrália.
Os EUA são o maior produtor mundial de queijo, mas você pode pensar em um queijo americano? A resposta será “Cheddar”, o queijo mais popular nos EUA e que tem o nome de seu ancestral britânico (Cheddar inglês), mas o seu sabor está muito longe do sabor do Cheddar inglês, sem falar dos benefícios para a saúde.
Um gosto pelo leite cru
Você já provou um queijo de leite cru? Se você já teve oportunidade de degustar o tradicional Parmesão italiano, Gouda holandês ou Camembert francês, mas que muitos só têm a oportunidade de experimentar os seus homólogos industriais produzidos em massa, então as “memórias degustativas” são bem diferentes.
Ao degustar queijos de leite cru você prova a raça, o ambiente e, claro, a experiência do queijeiro. Leites de diferentes raças de animais são tão variados quanto as próprias raças. O pasto e local que os animais vivem, como as montanhas, colinas, vales ou planícies e também a estação do ano interferem na qualidade do leite cru e no queijo feito com esse leite. Em síntese, todos estes elementos estão presentes no produto final, combinados de inúmeras maneiras, para produzir queijos únicos que são renomados e muito apreciados. Quando o leite é pasteurizado perdemos essa diversidade e abrimos caminho para o abandono das culturas alimentares e da biodiversidade animal.
Qual é o objetivo de trabalhar para manter a biodiversidade das raças e garantir uma alimentação de alta qualidade se todos os queijos produzidos forem idênticos?
Defendendo o leite cru, estamos também defendendo o bem-estar dos animais, a proteção das paisagens e dos ambientes naturais e comunidades inteiras que ainda mantêm suas competências artesanais, como as dos produtores, dos queijeiros e dos afinadores de queijos.
Leite cru é realmente um grande risco para o consumidor?
Na maioria dos países que têm uma longa tradição na fabricação de queijos de leite cru não é somente legal, mas altamente valorizado, sempre orgulhosamente mencionado no rótulo do produto lácteo.
No entanto, na maior parte dos países anglo-saxões, onde o sistema alimentar industrial foi mais ansiosamente abraçado, o leite cru foi submetido a regulamentações ferozes sobre a higiene dos alimentos nas últimas décadas. Muitas dessas nações fizeram a venda de leite cru ou de queijo de leite cru sujeita à regulação pesada na tentativa de conseguir um objetivo impossível e indiscutivelmente prejudicial de risco zero. Nos EUA, no Reino Unido e na Irlanda, por exemplo, o queijo de leite cru pode ser produzido, mas só pode ser vendido após a maturação por um período mínimo de 60 dias. O Brasil seguiu estas mesmas regulamentações, desde 1952.
Naquele tempo, as doenças como a tuberculose era uma ameaça real. Mas atualmente, esses perigos desapareceram na maioria dos países ocidentais (e em muitos outros países também) e os padrões de higiene e criação de animais melhoraram enormemente. O risco é muito limitado e diz respeito principalmente aos grupos susceptíveis, como mulheres grávidas, crianças pequenas, idosos e imunocomprometidos, todos os grupos que também devem evitar a carne crua e estar especialmente atentos à limpeza de frutas e vegetais.
Os alimentos que assustam a segurança alimentar e são frequentemente veiculados na mídia, não são provenientes de leite, mas sim de pepinos, brotos de feijão, perus, ovos. Por que não estamos banindo esses alimentos? Na Irlanda, por exemplo, um país que se orgulha de seu leite de alta qualidade, estima-se que 100 mil pessoas bebem leite cru todos os dias, mas as estatísticas de saúde não indicam nenhum alarme.
Não podemos deixar de nos perguntar por que o leite cru é vítima de uma percepção ilógica do risco. É por causa de um medo persistente de uma época em que o vírus perigoso da Tuberculose ainda não tinha sido erradicado? É a importância do leite em nossas dietas? A natureza altamente simbólica do leite (pureza, fertilidade, maternidade, dentre outras) que a torna mais suscetível ao comportamento irracional?
As regulamentações na indústria de alimentos são importantes, mas devem ser adequadas ao risco e ajudar a construir culturas alimentares saudáveis, e não simplesmente destruí-las.
O Poder está nas mãos do Consumidor
Conhecidos os riscos e benefícios, por que o consumidor não tem o direito de comprar leite cru e queijo de leite cru se eles acreditam que é importante para o seu bem-estar? Não há qualquer razão para que estes produtos não sejam produzidos e comercializados de acordo com um processo bastante monitorizado, controlado e regulamentado com uma rotulagem adequada.
Quando se trata de produto de leite cru, como o Queijo Coalho Artesanal, produto típico da região Nordeste do Brasil, assim como muitos outros alimentos, o Slow Food* acredita que não devemos trocar nossa liberdade de escolha e saúde, por conveniência e segurança preconcebida.
(*)O Slow Food (em inglês, literalmente, “comida lenta”) é um movimento e uma organização não governamental fundados por Carlo Petrini em 1986, tendo como objetivo promover uma maior apreciação da comida, melhorar a qualidade das refeições e uma produção que valorize o produto, o produtor e o meio ambiente.
Para conhecer o Presidente da Fundação Slow Food e seus pensamentos acesso o site abaixo:
http://www.slowfoodbrasil.com/videos
Fonte: Adapatado do Slow Cheese.