Prezad@s leitor@s e amig@s queijeir@s, transcrevemos e comentamos a excelente entrevista de Débora Pereira concedida à revista Balde Branco em abril de 2022, na qual ela afirma: “A única saída para o Queijo Artesanal é a Coletividade”, ou seja, o Associativismo ou Agrupamento dos produtores de queijos artesanais.
Mineira de Belo Horizonte, Débora Pereira foi criada na capital universal da goiabada, Ponte Nova-MG. Jornalista, trabalha na revista francesa Profession Fromager desde 2012, o que lhe possibilitou lançar em 2019, no Brasil, a revista Profissão Queijeira. Depois, o que toma mais seu tempo é a direção da associação SerTãoBras, que foi criada em 2007 na Serra da Canastra para lutar pela legalização e valorização dos queijos de leite cru no Brasil.
Débora Pereira fez o mestrado em Extensão Rural na UFV-MG e doutorado em Ciência da Informação na UFMG. Ela foi para a França para concluir seu doutorado em Paris e lá conheceu seu marido, Arnaud Sperat-Czar, um expert em queijos e atual presidente da Fondation pour la Biodiversité Fromagère. Débora é também professora em duas escolas francesas, onde ministra as disciplinas de cultura queijeira, análise sensorial, cura e famílias tecnológicas de queijos. Ela também faz consultorias para ajudar produtores a agregar valor aos seus queijos no Brasil e na Europa. Ela é a primeira maître fromagère brasileira da Guilde Internationale de Fromagers. https://www.guildedesfromagers.fr/wp/?lang=pt
Vejamos os principais pontos tratados nesta brilhante entrevista de Débora Pereira ao jornalista João Antônio dos Santos, da Revista Balde Branco:
Balde Branco (BB) – De maneira geral, qual a importância da fabricação artesanal de queijos, haja vista a repercussão do Brasil no Mondial du Fromage?
Débora Pereira (DP): – As medalhas no concurso do Mondial du Fromage de Tours ajudaram muitos produtores a mudarem suas vidas para melhor. Tive notícias de alguns que aumentaram em 200% ou 300% suas vendas depois da conquista. Os prêmios também ajudaram a chamar a atenção do mundo político para agilizarem legislações a favor do queijo, e isso é muito positivo! O reconhecimento e a preferência pelos queijos artesanais brasileiros também são fortalecidos pelas novas tendências do mercado consumidor, que anda muito desconfiado de comidas com conservantes, com aditivos e ultraprocessadas. O consumidor quer ter certeza da origem dos alimentos, quer saber até o nome da vaca. A pandemia veio reforçar essa situação. Produtores e comerciantes não estão se queixando das vendas, pelo contrário, eles têm se saído muito bem!
BB – Como especialista neste setor, como você vê a trajetória dos queijos artesanais brasileiros, que, felizmente, saíram da clandestinidade e desde algum tempo ganharam espaço no mercado e também na mídia?
BB – Temos ainda muito potencial para melhorar no Brasil. Por enquanto, menos de 5% dos produtores de queijo artesanal saíram da clandestinidade. Temos duas leis federais para o queijo artesanal, temos o Selo Arte, e meia dúzia de leis estaduais, inclusive a Lei do Ceará. Temos sim coisas positivas, muitos produtores com Selo Arte, no estado de São Paulo, mas que levaram anos para ter este reconhecimento. Se as políticas públicas rurais fossem eficazes, o número de produtores certificados no Brasil não seria tão baixo. Em um dos últimos censos sobre a realidade do produtor rural brasileiro, havia um número de 80 mil produtores artesanais de queijo no Brasil. Não tem nem 200 com Selo Arte. Em Minas Gerais esse número já foi estimado em 30.000. O número de produtores certificados pelo IMA não chega a 100. Então, podemos considerar que as políticas públicas para o queijo brasileiro, em sua quase totalidade, não funcionam. Isso é muito triste. Acreditamos que tudo vai melhorar e queremos estar juntos, em diálogo com todas estas instituições, para melhorar este cenário e aumentar o número de produtores certificados.
BB – Agora o queijo artesanal está na moda, mas podemos dizer que é um setor que ainda está engatinhando em termos de mercado. Qual o caminho para se consolidar como um produto diferenciado, de diversas regiões e características variadas?
DP – Acredito na mobilização de produtores, comerciantes e entusiastas, que têm feito um trabalho incrível pela valorização do queijo artesanal no Brasil. O caminho para se consolidar, não menos do que ousar em novas receitas autorais, é investir em rebanhos saudáveis, principalmente certificados e livres de tuberculose e brucelose. Embora isso seja exigido na lei do queijo artesanal, não existe nenhum rebanho certificado livre de tuberculose e brucelose na Serra da Canastra, por exemplo. O meu sonho, a situação ideal da agropecuária queijeira, seria o “bolsa-vaca”. As vacas ganhariam um chip na orelha, dando direito a todas as vacinas e exames em dia. E auxílio para certificação das fazendas. Mais educação e assistência rural e menos punição.
BB – Pensando no fortalecimento do setor, qual seria o caminho para esses produtores? Você acha fundamental que eles se reúnam em associações e cooperativas próprias?
DP – Não há caminho fora da coletividade. A França tem 51 queijos de denominação de origem protegida (DOP), cada qual regida por uma ou mais associações, que contratam órgãos certificadores externos para garantir que todos os produtores respeitem os cadernos de especificações técnicas do queijo, ou seja, as regras. Essas regras são definidas pelos próprios produtores. Não acontece uma reunião, audiência ou redação de regulamentos para os queijos, nas quais os produtores não participem. E os queijos DOP recebem subsídios todos os anos para campanhas de marketing, que os tornam mais conhecidos. O Código Europeu de Boas Práticas de Higiene na produção de queijo artesanal e de produtos lácteos foi construído de forma coletiva. Mais de 400 entidades de toda a cadeia do queijo, entre produtores, fiscais, pesquisadores e comerciantes, participaram. São quase cem páginas de conselhos, mas não há nenhuma obrigação. Aconselha-se o produtor a não cruzar o fluxo do produto na queijaria, mas se ele quer fazer diferente, ele não é multado nem repreendido. Há apenas uma obrigação de resultados, que é um queijo saudável. Para a gestão dos riscos, quando acontece um problema de contaminação, o produtor é orientado de perto para resolver, uma lógica de educação do produtor, e não de punição. Este seria o caminho fundamental: o incentivo à participação dos produtores na redação das normas, nos regulamentos dos queijos, a motivação ao cooperativismo e associativismo. Estamos apenas começando a escrever esta história no Brasil.
BB – A segunda edição do Mundial do Queijo do Brasil será realizado na capital paulista, no período de 15 a 18 de setembro de 2022. Qual sua importância para o setor de queijos artesanais brasileiros?
DP- Esperamos valorizar ainda mais o queijo, colocando lado a lado queijos artesanais e industriais em um concurso internacional. Em sua 2ª edição no Brasil, o evento itinerante ganha a capital gastronômica brasileira: a cidade de São Paulo. A localização do evento é o novíssimo Teatro B32, no coração da emblemática Avenida Faria Lima, inaugurado em setembro de 2021. Colocar o queijo nesse altar do capitalismo brasileiro é uma forma de assumir essa elitização do queijo artesanal como uma estratégia de valorização. Queremos o assunto em todas as mídias nacionais e internacionais.
BB – Débora que recado você daria para os produtores de queijos artesanais do Brasil, sobretudo para garantirem um produto diferenciado, de alta qualidade e seguro?
DP- Se o produtor quer realmente produzir queijos com assinatura do “terroir”, deve conquistar a autonomia da alimentação do seu rebanho cultivada na sua fazenda. Não tem como falar de queijos “terroir” se a maioria do alimento vem de fora da fazenda. O queijo autoral do futuro vai vir de práticas agroecológicas, sustentáveis, que devolvem o carbono para o solo, feito do leite de animais saudáveis e felizes, que comem uma alimentação variada e natural. Queijos que vão ter sabores complexos porque vão refletir a biodiversidade da natureza do local. Este é o melhor marketing que pode ser feito.
Em síntese, este site reforça as palavras da entrevistada ao afirmar que “PARA O QUEIJO ARTESANAL NÃO HÁ CAMINHO FORA DA COLETIVIDADE”.
Fonte: Revista Balde Branco, abril 2022.