A ORIGEM DO QUEIJO DE COALHO DE JAGUARIBE, CEARÁ, BRASIL.

Trazemos aos nossos leitores no início deste ano 2022, um excelente artigo que conta a história do queijo Coalho de Jaguaribe-CE, de autoria de Gledstone Peixoto Cavalcante, empresário, pesquisador e apreciador do queijo de coalho. Boa leitura e bom proveito!

QUEIJO DE COALHO Queijo de coalho é uma mistura de: leite de vaca cru e integral, coalho animal e sal. Desde o seu aparecimento, o coalho (quimosina) ainda hoje é usado e sempre foi de animal, que nada mais é que o terceiro estomago dos mamíferos, conhecido popularmente por “coalho” . Atualmente, o coalho do estomago de animal* foi substituído pelo coalho industrial, em forma liquida ou em pó, que é extraído do coalho animal ou produzido por microrganismos. Devido a facilidade de uso do coalho industrial, o coalho animal está caindo em desuso. Vale salientar que, para se fazer um autêntico queijo de coalho, é indispensável o uso do coalho “animal”. É ele quem confere, ao queijo, um sabor encorpado, aquele estado de queijo maturado e macio. A dificuldade para se usar o coalho animal é, acima de tudo, o seu preparo que começa com uma boa limpeza, sem lavar, e depois uma boa salga, secagem e guarda do “estomago do animal”. Após bem seco pode-se preparar o soro para se usar na produção do queijo. Tenho feito experiências e observei que o tratamento sendo bem feito pode-se guardar o coalho (soro), em geladeira por mais de 6 meses. O soro também pode ser congelado por até 8 meses sem perder sua eficácia.

AQUARELA QUE ILUSTRA O CONFRONTO ENTRE ÍNDIOS E COLONIZADORES. CRÉDITO DO ARTISTA JOSÉ DE MIRANDA DATADA DO SÉCULO XVII

ORIGEM DO QUEIJO COALHO NO CEARÁ – O queijo chegou ao Brasil e ao Ceará, através dos descobridores que aqui chegaram em 1500. A província do Ceará, até 1600, não havia sido ocupada, diferentemente de Pernambuco que logo iniciou o cultivo da cana. O donatário da capitania do Ceará, Antônio Cardoso de Barros não se interessou pela sua ocupação, devido a resistência dos índios locais, e ao clima impróprio para produção da cana de açúcar. Os registros históricos mostram que somente em 1603, o capitão-mor Pero Coelho de Sousa percorreu, por terra, toda sua costa e fundou um forte na foz do rio Ceará. Por volta de 1610, o capitão-mor Martim Soares Moreno, fez outra incursão pelo mesmo caminho de Pero Coelho e trouxe um rebanho de gado que foi deixado, próximo do litoral, tendo aumentado bastante segundo a história. É provável que as primeiras fazendas de gado implantadas próximo ao litoral, tenham usado parte desse gado para seu povoamento.

Bois e vaqueiro nos sertões do Ceará. Imagem ilustrativa. Domínio público

AS PRIMEIRAS FAZENDAS – As primeiras fazendas de gado na província do Ceará surgiram, próxima ao litoral, embora essa região não fosse apropriada, porque não existiam tabuleiros abertos com pastagem nativa. Em 1707 as fazendas já estavam subindo as ribeiras dos rios: Jaguaribe e Acaraú. Em 1727, segundo Perdigão de Oliveira, uma expedição comandada pelo Cel. João de Barros Braga, subiu a ribeira do rio Jaguaribe, com o pretexto de dar combate aos índios que importunavam os fazendeiros e dificultavam a criação do gado matando as rezes. O médico e historiador Pedro Théberge relata que houve uma verdadeira guerra contra os índios. Toda essa ação do governo foi causada pelas reclamações e solicitações dos donos das fazendas, atestando que naquele ano já havia muitas fazendas no rio Jaguaribe, ao ponto de terem voz para conseguir uma ação de tal magnitude.

AS PRIMEIRAS FAZENDAS DE GADO NA PROVÍNCIA DO CEARÁ SURGIRAM NO SÉCULO 18 E FICAVAM PRÓXIMAS DO LITORAL.

Carta da capitania do Ceará em 1778.

As primeiras sesmarias, de Jaguaribe e seu entorno, datam de 1708. Naquele ano, o capitão-mor, Gabriel da Silva do Lago concede a João da Fonseca Ferreira, uma sesmaria no lugar Jaguaribe Mirim, onde hoje está a cidade de Jaguaribe. No seu requerimento, João da Fonseca Ferreira relato que já criava gados naquele local antes de 1708 e que sofria perseguição dos índios e por isso já tinha perdido muitos gados. Então fica claro que antes de 1708 já havia fazenda de gado em Jaguaribe e também leite e queijo.

ANTES DE 1708 JÁ EXISTIA FAZENDA DE GADO EM JAGUARIBE E PORTANTO, TAMBÉM LEITE E QUEIJO.

O queijo de coalho é a faca. Foto crédito O Povo.


O jornal O Povo, em 30/09/1984, publicou uma matéria sobre as charqueadas, com destaque para Aracati, e afirma que em 1707 já havia fazendas na ribeira do Jaguaribe e isso fica confirmado pelos relatos feitos por João da Fonseca. Nesta matéria, quando se refere a vida sócio econômico das fazendas, diz que, a alimentação básica delas eram: carne, cereais, farinha, leite e queijo. Onde tinha gado tinha queijo. Sem medo de errar podemos afirmar que em 1707 já havia queijo em Jaguaribe.

COMO ERA IMPLANTADO UMA FAZENDA – normalmente, aquele que requeria a sesmaria, morava perto do litoral e próximo a sede administrativa da província e muitas vezes só iam conhecer, a área requerida, anos depois. Para iniciar a fazenda ele mandava um vaqueiro de sua confiança acompanhado de alguns auxiliares, e essa comitiva iniciava as primeiras construções, casa de taipa, currais, pequenos cercados. O gado ia sendo traquejados e se acostumando a pastar nos arredores desse pequeno núcleo. No período das chuvas o vaqueiro aproveitava o leite para fazer o queijo, que era usado diariamente, e a sobra era guardada para atravessar o período seco. O vaqueiro recebia sorte de ¼ (um quarto) dos animais nascidos e, na maioria das vezes isso se acumulava 3 ou 4 anos para haver a divisão. Ele era uma figura respeitada pela sua coragem, força e responsabilidade que tinha por toda fazenda e seu rebanho. Vivia muito isolado socialmente, mas muitos se tornaram proprietários pelo fruto do seu trabalho.

A FIGURA DO VAQUEIRO FOI DE FUNDAMENTAL IMPORTANCIA PARA CONSTRUÇÃO DE CASAS DE TAIPA, CURRAIS E PEQUENOS CERCADOS QUE DERAM ORIGEM AOS POVOADOS, VILAS E CIDADES.

RELATOS DE FAMÍLIA – Meu pai nasceu em 1906 e foi criado no ambiente familiar de uma fazenda, entre vaqueiros e serviçais. Contava ele que, no período das chuvas, as vacas eram ordenhadas, parte do leite era para o café da manhã e jantar, e o resto era para fabricação do queijo de coalho. Diariamente se consumia queijo e o excesso era guardado em caixão de madeira e coberto com farinha mandioca para não ficar duro. Permanecia assim durante todo período do verão, para servir de alimentação, até chegar o outro período das chuvas. Esse queijo, por alguns meses ficava macio e saboroso e era muito consumido no café da manhã e, as três horas da tarde com rapadura. E para os serviçais e campeiros se fazia uma farofa de queijo, com farinha e rapadura, pisada em pilão, ficando muito saborosa. O queijo também era usado para temperar o feijão e arroz. Com o passar do tempo ia perdendo umidade e ficando muito duro. Para ser usado era cortado de machado. Chegando o novo período das chuvas e iniciado o processo de fabricação dos novos queijos o restante dos velhos eram vendidos para fazer sabão. Nesse momento passavam os compradores de “queijo velho” para produzir o sabão. O queijo de coalho curado era guardado e envelhecido em caixão de madeira e coberto com farinha. Entretanto, alguns fazendeiros guardavam o queijo de coalho em um canto de sala e cobertos com areia do rio.

ANTIGAMENTE, “O QUEIJO DE COALHO ERA GUARDADO EM CAIXÃO DE MADEIRA E COBERTO COM FARINHA MANDIOCA PARA NÃO FICAR DURO”. ERA CONSERVADO DESTA MANEIRA DURANTE TODO O PERÍODO DE VERÃO, PARA ALIMENTAÇÃO HUMANA, ATÉ CHEGAR O NOVO PERÍODO DE CHUVAS NO CEARÁ.

HISTÓRIA DO COALHO – O coalho animal foi usado até meados de 2010, por muitos fazendeiros da região jaguaribana. Atualmente, esse costume praticamente desapareceu. O coalho químico já existia em Jaguaribe há uns 50 anos atrás, mas era pouco usado. Depois que apareceu no mercado, o coalho liquido a adesão à esse coagulante foi galopante. Gostaria de chamar sua atenção para o que sempre considerei como um problema do queijo de coalho, que é a falta de uniformização (padronização) quer seja no teor de sal, na prensagem ou no cozimento. Sua produção sempre foi empírica o que resulta na diferença entre os queijos de uma mesma fazenda fabricados durante uma semana. Em Jaguaribe temos boas pastagem e solos alcalinos que confere um sabor encorpado ao nosso queijo de coalho, quando ele é feito com coalho animal, mas falta padronização do queijo. Um bom queijo de coalho se conhece depois de 15 a 20 dias de maturação. Se ele foi confeccionado com sal ao ponto, cozimento certo, e prensagem certa, após esse período, ele estará macio e saboroso. Se não recebeu os cuidados acima, ele ficará duro, salgado, cru e com sabor ruim.

Queijos de coalho de diferentes produtores de jaguaribe-CE. Foto crédito: Fernando Mourão

Eu ainda hoje fabrico queijo de coalho com coalho animal e para melhorar a padronização passei a usar o sal pesado e colocado no leite antes da coagulação. O soro também é pesado. Tudo é proporcional ao volume do leite. Hoje eu faço qualquer quantidade de queijo e todos com o mesmo paladar de sal. Desde quando se comercializa queijo em Jaguaribe não há realmente informações oficiais sobre isso, mas em 1880 já existia feira em Jaguaribe e seus habitantes da zona rural traziam cargas com seus produtos para vender na feira livre. Com certeza o queijo de coalho estava entre os produtos comercializados. Nos dias atuais é grande a comercialização do queijo de Jaguaribe e ele já está sendo vendido em diversas capitais, como São Paulo, onde é conhecido como “queijo Coalho de Jaguaribe”.

(*)Esclarecimento sobre os três primeiros compartimentos chamados de pré-estômagos dos ruminantes. Antigamente, o coalho era extraído do Abomaso de ruminantes, que é rico em enzimas coagulantes.

Fonte: InfoEscola

Referências Bibliográficas:
Jornal O Povo – Artigo sobre ocupação do espaço no Ceará e as Charqueadas -30/09/1984
Livros – JAGUARIBE MINHA TERRA – DE VALDIR UCHOA RIBEIRO
Pesquisas da INTERNET

10 comentários em “A ORIGEM DO QUEIJO DE COALHO DE JAGUARIBE, CEARÁ, BRASIL.”

  1. Parabéns FERNANDO MOURÃO, excelente artigo, leitura que nos leva ao tempo dos nossos avós, à simplicidade das fazendas, das mesas fartas e resilientes homens desbravadores dessa então nova terra!! Muito obrigada, adorei!! Ana Cavalcante

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  2. Adorei o texto! Professor Fernando Mourao uma referência e ainda trazendo todo um resgate dos meus avós que nasceram e Jaguaribe e sempre produziram queijo coalho!

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    • Olá Profa. Daniele Texeira, bom dia!
      Muito obrigado por acessar ao nosso site e suas palavras de elogios ao nosso trabalho em prol do queijo Coalho artesanal do Nordeste.
      A referida matéria foi resultado de uma entrevista com o Sr. Gledstone Peixoto Cavalcante, um jaguaribano nato e profundo conhecedor do queijo Coalho de Jaguaribe-CE.
      Abraços e sucesso!
      Prof. Fernando Mourão
      Fortaleza-CE. Brasil.

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  3. Meu avô, na fazenda “Sítio Volta” no município de Campos Sales, nos anos de 1950, guardava queijo de coalho em caixão de farinha e as vezes tinha que usar um machado pra partir !!!
    E o verdadeiro queijo de manteiga era minha vó materna que fazia no município do Potengi !!!

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    • Caro Cláudio Ulisses, boa tarde!
      Obrigado por acessar ao nosso site.
      Que ótimo testemunho do seu avô, na Fazenda “Sítio Volta” no município de Campos Sales-CE, que nos anos 1950, conservava o queijo de coalho em caixão de farinha de mandioca.
      Realmente, o queijo de coalho quando fica muito tempo curado, ele fica tão sólido, que tem que usar um machado para partir.
      Abraços e obrigado pelos comentários.
      Prof. Fernando Mourão
      Fortaleza-CE. Brasil.

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    • Oi Maria Feitosa,
      Obrigado por acessar ao nosso site e deixar seu comentário.
      É possível encontrar Queijo Coalho Artesanal de Jaguaribe para consumo em Fortaleza.
      Em breve, vou postar os locais ONDE é possível encontrar o queijo Coalho de Jaguaribe-CE.

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